Monthly Archives: Fevereiro 2012

Totens, uma antiga tradição esquecida

Totens

           Esta é uma tradição muito antiga no escotismo, parte da mística escoteira que vemos citada quando chefes mais idosos são mencionados e que atualmente está em desuso. Por isso que Benjamin Sodré era chamado Velho Lobo, Glaucus Saraiva era conhecido por Uirapuru, Jarbas Pinto Ribeiro era Quati e tantos outros.  Além da tradição passada de ouvido a ouvido, existe uma base documental, o livro Sempre a Direito, publicado em Portugal pela Editora Educação Nacional, escrito por Léopold Derbaix, com citações do próprio Baden-Powell. No capítulo “Os Tótemes”, páginas 298 e 299, o autor faz a seguinte explanação que está transcrita na forma original, sem mudanças no idioma ou estilo:

“Cada escoteiro terá, igualmente, o seu nome de guerra: o seu tóteme. Eis aqui uma inovação que muita gente critica e que, pelo contrário, revela a admirável sagacidade pedagógica de Baden-Powell. A mania das alcunhas e dos sobrenomes constitui um fato inegável, quer na caserna, quer nos colégios. Em vez de um nome puramente convencional, quase todos preferem designar os indivíduos por uma expressão incisiva ou maliciosa, nem sempre inocente, através da qual ressaltem os seus pontos fracos ou seus defeitos. Baden-Powell aproveita esta mania, que sabe perfeitamente ser impossível de combater; não só a torna inofensiva, mas tira dela todo o partido possível, utilizando-a com uma finalidade educativa. Ele gosta que se dê um nome de guerra a cada escuta, o nome de qualquer animal que possua um sinal característico da personalidade do interessado e que lhe recorde uma qualidade que lhe falta ou um defeito que ele deve combater.”

Capa do Livro Sempre a Direito

 

          Nos grupos escoteiros brasileiros que adotavam esta mística, a prática costumava ser que cada membro ao entrar para o grupo, mesmo que lobinho, escolheria um animal para ser chamado e servir de alcunha. Ao mesmo tempo, também poderia escrever uma pesquisa sobre o referido animal, descrevendo seus hábitos e características. Não era recomendado que fossem nomes de patrulhas do grupo nem totens que estivessem sendo usados por outros jovens naquele momento, para evitar confusões. Os que voltavam a ser usados em outros tempos recebiam números em romanos, tipo Jacaré II, Panda III.

          A prática desta tradição revela situações inusitadas promovidas pelos jovens que valem alguns relatos. Muitos destes totens acabam virando apelido de rua dos jovens, especialmente em lugares onde estes têm convivência também fora do grupo escoteiro. O inverso também ocorre com o apelido da rua virando o totem, quando já era um nome de animal. Outras vezes, o totem se estende para o seu irmão mais moço, que fica conhecido pelo diminutivo, algo tipo o coruja e o corujinha. Por vezes o escoteiro escolhe um totem e os outros acabam adequando o novo apelido, como o menino que escolheu pastor alemão, mas dada a sua personalidade, o totem foi adaptado para cachorro louco.

          Enfim, esta prática antiga é muito interessante e pode se tornar uma boa ferramenta para evitar o bullying, uma vez que o próprio escoteiro escolhe o apelido, evitando situações jocosas ou pejorativas. Particularmente, a empregamos em nosso grupo escoteiro com sucesso até os dias de hoje, onde todos, inclusive os chefes, tem seu totem.

O Estudo e a Insígnia da Madeira

O Estudo e a Insígnia da Madeira

Museu de Gilwell Park

             Causa perplexidade e tristeza eventualmente ouvir postulações sobre tentativas de pôr fim na parte do Estudo, também chamado Caderno, da Insígnia da Madeira, da mesma forma como é decepcionante escutar afirmações de outros chefes que cadernos foram aprovados por decurso de prazo, ou seja, o leitor avaliador não o devolveu no tempo regulamentar destinado a avaliação.

            Isto corresponde a eliminar a dissertação dos programas de mestrado, a tese dos doutorados. Sinceramente, em que outro momento um chefe interrompe suas atividades para refletir sobre sua prática, a luz da literatura disponível? E vai mais longe, escrevendo e argumentando suas posições. Sem dúvida é o maior exercício intelectual que o escotismo oferece para aqueles que o desejarem, uma vez que ninguém é obrigado a conquistar a insígnia. Permite ainda a conversa com outros líderes, ampliando a reflexão e a troca de argumentos com o assessor pessoal e o próprio leitor avaliador, embora incógnito, correspondendo a orientação acadêmica do mestre, auxiliando na formação do pensamento crítico.

            Eliminar ou diminuir esta etapa não é surpreendente em um país que tem as piores notas na avaliação de seu ensino magistral e acadêmico, comparado as outras nações. Seria nivelar a intelectualidade por baixo. A pós-graduação realizada fora do Brasil permite a convivência com pessoas de diferentes partes do mundo. Se nós temos parcos conhecimentos sobre Machado de Assis, Castro Alves, Jorge Amado, Érico Veríssimo ou Gonçalves Dias, só como exemplos, os europeus, africanos e asiáticos, estudaram Goethe, Shakespeare, Rimbaud, Sartre, incluindo tantos outros e muitas vezes sabem muito mais de Camões, Fernando Pessoa e José Saramago, que nós brasileiros lusófonos, nos deixando verdadeiramente embaraçados e preferindo falar de futebol. Essa formação cultural ampla deve ser perseguida pelo escotismo brasileiro e entendida como um dos caminhos para o sucesso em nossos grupos.

           Já percebemos uma simplificação na formação do chefe quando um curso intermediário no processo, o Curso Técnico de Ramo (CTR) foi suprimido e se havia conteúdos sobrepostos, a questão talvez fosse reformular as matérias com a inserção de novos tópicos. No escotismo não podemos abrir mão da leitura minuciosa dos textos de Baden-Powell e de tantos outros nacionais como Rubem Süffert. É obrigação estudá-los e discuti-los.

         Comparando com níveis básicos e fundamentais de ensino, é sabido que o jovem brasileiro passa poucas horas na escola, em comparação a outras nações, inclusive latinoamericanas. Como método de educação extraescolar, o escotismo poderia aumentar estas horas de formação despertando novos interesses e habilidades. Todavia, só oferecerá qualidade com chefes preparados. Também poderia se incluir no rol de argumentos a questão da cidadania, da atitude de fazer as coisas certas. A falta destes conceitos, que podem ser bem trabalhados pelo escotismo, que faz com que nossa população faça pichações em sua própria cidade, roube o bronze das praças destruindo monumentos para vender como sucata ou queime as novas lixeiras para material orgânico.

            Queremos aprender menos ainda? O que teremos para ensinar? Se o escotismo é um movimento educacional que objetiva formar líderes, em nenhum momento pode exigir ou cobrar menos de seus próprios chefes que são o exemplo para os jovens. Não se pode ler menos, pensar menos, escrever menos e ainda colher louros deste relaxamento. Em países que tantas vezes são assumidos como modelos em diversas áreas, como os Estados Unidos, a formação do chefe é interminável, porque além da Insígnia da Madeira, existem os Knots Badges, contemplando diferentes áreas de interesse e possibilitando sempre novas conquistas. Não que o modelo deva ser copiado, não queremos é que o nosso seja diminuído, todavia, é inegável a força do Boy Scout of America.

            Se no Brasil enfrentamos dificuldades de crescimento do efetivo escoteiro, com certeza chefes menos preparados, com formação simplificada, não serão a solução para isso. É lugar comum dizer que o progresso depende da educação, portanto o progresso do escotismo também deve estar ancorado neste processo, iniciando pelas suas chefias.

As excursões de Georg Black.

As excursões de Georg Black.

          Nascido em 24 de abril de 1877, em Munique, Georg Black era professor de ginástica, havendo estudado na Escola Central Bávara para Instrutores de Ginástica, onde se diplomou. Em 1902 imigrou para o Brasil, dirigindo-se para o interior do Rio Grande do Sul, de onde acabou retornando e fixando-se em Porto Alegre, e como professor certificado acabou associando-se a Sociedade de Ginástica (Turnerbund). Trabalhou em diversas escolas e foi jogador de um clube local, que segundo relatos, teria sido o autor do primeiro gol de cabeça em uma partida de futebol no Rio Grande do Sul, causando a interrupção do jogo para discussão de sua validade. Em 1913 fundou o primeiro grupo escoteiro do Rio Grande do Sul, atualmente o grupo escoteiro mais antigo do Brasil em atividade. Celeiro de grandes lideranças do escotismo brasileiro, tal como a família Schiefferdecker, o Grupo Escoteiro Georg Black é orgulho de todos os escoteiros.

          Georg Black faleceu em 15 de maio de 1949, portanto com 72 anos. Em 1963, o grupo escoteiro 01 RS passou a se chamar Georg Black, em homenagem ao seu fundador. Naquele tempo da fundação, as atividades envolviam longas jornadas, com muitos dias de duração e com deslocamentos superiores a 20 km por dia a pé. O próprio Georg Black liderava e preparava minuciosamente estes eventos.

         Dessa época, temos cinco fotografias que fazem parte dos Arquivos Roth deste blog, portanto pertenciam a Ernesto Roth (1926-2006), mas que pela sua relevância, mereciam um post separado e destacado. Não sabemos mais a época exata em que foram realizadas nem o destino desta excursão ou sequer outros detalhes, exceto o que as fotos por si só descrevem, outras informações se perderam no tempo.

         Em todas se observa um contingente razoável de escoteiros. Na primeira das fotos aparece a Igreja Luterana São Luís, de Santa Cruz do Sul. Este templo foi concluído em 1924, portanto a atividade só pode ser posterior a esta data. Próximo a residência que aparece a esquerda da foto, a frente da tropa com um uniforme claro e parcialmente curvado, há uma figura semelhante a Georg Black, especialmente se comparado as demais fotos a seguir, mas difícil de ser confirmado devido à distância e qualidade da imagem.

          Em duas outras, a imagem característica de Georg Black é facilmente identificável, particularmente a longa e pontuda barba, o tom escuro dos cabelos e o formato do rosto. Por isso ampliamos digitalmente estes detalhes. Ambas foram tiradas em áreas urbanas, mas que não podemos precisar onde. Sabe-se que estas jornadas costumavam passar por várias cidades.

 

Nesta foto, aparece bem a direita, na primeira linha de formação, portanto a mais distante, sendo o primeiro, com o uniforme mais claro. Este detalhe ampliado pode ser visto abaixo:

 

 

Aqui, aparece na primeira linha de escoteiros, logo atrás da bandinha que abre o que parece ser um desfile. É a quarta pessoa, da esquerda para a direita, usando o mesmo uniforme mais claro. A ampliação digital desta área esta abaixo:

          Na quarta foto, há uma cena de acampamento, com fogueira montada no centro e bandeira hasteada.

          A quinta foto mostra a tropa com pessoas usando fantasias ao centro e outros com trajes típicos tiroleses. É descrito que nessa época o grupo escoteiro realizava fogos-de-conselho comunitários, para as pessoas da comunidade, com encenações teatrais. A foto foi tirada de dia e isto é apenas uma suposição. Todavia, os dois meninos que aparecem destacados atrás e sobre as pessoas fantasiadas também mereceram uma ampliação. As camisetas que usam estampam a logo do Grupo Escoteiro Georg Black, marca registrada deste grupo. Se havia dúvida que este desenho tenha sido adotado pelo próprio Georg Black, esta imagem deve ajudar a esclarecer o assunto.

 

Observem a estampa ampliada das camisetas dos meninos na última fila, por sobre os outros.

Marca registrada do GE Georg Black estampada nas camisetas.

          Comentários e observações sobre estas fotos são muito desejadas, pois acreditamos se tratar de um registro raro do escotismo brasileiro que ainda pode ser muito enriquecido.